O cantar das Janeiras é o domínio, quiçá o mais rico, do Cancioneiro Popular Português. A sua origem remonta igualmente ao tempo do paganismo em imitação das Saturnais Romanas que, ao converterem-se à religião crista, assumiram foros da maior originalidade.
No ancestral cantar das Janeiras está contido todo o espírito popular, a criatividade; a beleza, o encómio e o escárnio. Muito embora neste domínio se acentuem as heterogenias regionais, é, no entanto, comum a todo o País a composição de pequenos grupos corais, normalmente acompanhados de instrumentos musicais, que percorrem os mais variados lugares da sua povoação, freguesia ou vila, batendo às portas e entoando loas religiosas à mistura com quadras de fino gosto popular.
Em Mourilhe perde-se no tempo a origem desta tradição, que tem passado de geração em geração, assim como o reportório musical que lhe está associado.
Tal como tem acontecido ao longo de gerações, este ano cumpriu-se mais uma vez a tradição das janeiras na nossa aldeia. No primeiro dia de Janeiro, pelas 15h00, reunimo-nos junto ao cruzeiro, como acontece todos os anos, onde se aproveitou para fazer as últimas afinações nos instrumentos e relembrar os acordes e os tons das cantigas das Janeiras. Com as vozes ainda tímidas e cansadas da festa de “Fim de Ano” da noite anterior, que para alguns terá sido certamente longa, lá fomos descendo pela rua de São João, tocando e cantando as cantigas habituais das janeiras de Mourilhe. Parámos à frente da casa do amigo Fragoso, onde, para além dos cantares habituais deste dia, aproveitámos também para lhe cantar os parabéns, pois era o seu dia de aniversário. Dali partimos em “marcha solene”, com muita animação, amizade e alegria, parando em frente das casas de todos os elementos que faziam parte do “cortejo”, convidando, com os nossos cantares, o dono da casa a vir dar-nos as Janeiras e desejando assim, um bom ano que se inicia.
De casa em casa, com as mesas sempre bem recheadas, lá fomos petiscando, aqui e ali, as filhoses, o chouriço, o presunto, o queijo e muitas outras iguarias, acompanhadas sempre por um “dedal” do néctar precioso que também celebrizou Baco e que a nós nos ia alegrando e afinando.
Ao fim de mais de quatro horas, de saudações e votos de um bom ano, de comer e de beber, de cantar e de rir, de dar e receber e também agradecer, chegámos finalmente à última casa, a casa da Susana e do Carlos, que mais uma vez nos presentearam com um saboroso caldo verde, preparado para ser servido bem quentinho àquela hora.
É bom que esta e outras tradições se vão mantendo e que perdurem por muitos anos. Esta é uma forma de manter bem viva a nossa aldeia, promovendo o convívio, a amizade e a harmonia entre as pessoas. Esta tradição permanece, não só na memória, mas também no quotidiano dos mourilhenses.
Votos que esta tradição tenha continuidade para os nossos vindouros e que orgulhe a todos, as memórias do que ainda é a tradição e realidade de ser mourilhense.
Zéca Tomás
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De "dedal" em "dedal", lá se costurou mais uma bela tarde de Janeiras.
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